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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

As mulheres indígenas na mídia brasileira na visão nativa


Aracy Tupinambá fala sobre o contexto das mulheres indígenas na mídia brasileira. 


Entrevista com Aracy Tupinambá(Renata Machado S. Rodrigues) do Povo indígena Tupinambá, nasceu em Niterói-RJ, em 25/07/1989. Graduanda em Comunicação Social pela UNESA, previsão de fim de curso em 2012 e cursando Roteiro Cinematográfico no Instituto Brasileiro do Audiovisual Escola de Cinema Darcy Ribeiro.
Aracy Tupinambá

Como a mídia (TV, cinema, novelas, comerciais) trata e retrata a mulher indígena?
Aracy Tupinambá: Os povos originários começaram a ser retratados e representados nas telas do cinema e da televisão tendo como base a literatura indianista que resgata elementos etnocêntricos cristalizados no imaginário de grande parte da população brasileira. Obras da literatura de José de Alencar e outros. Para entender como a mídia, a televisão e o cinema retratam a mulher indígena, é preciso compreender como retratam o “ser indígena”, não diferente do que muitos ainda aprendem nas escolas. Faço parte da gestão de um Projeto chamado Índio Educa voltado para alunos e professores do ensino médio e fundamental, no auxilio da História das Culturas Indígenas, junto com outros jovens : Marina Terena, Alex Makuxi, Micheli Kaiowa, Sabrina Taurepang e Amaré Krahô Canela. A gente sabe que começa na escola essa visão preconceituosa que muitos ainda possuem sobre o que é ser indígena e reproduzem em seus trabalhos. A imagem romântica do "bom selvagem" e do "mau selvagem".
Publiquei em 2008 um artigo no Observatório de Imprensa, o titulo era: “De objetos do Novo Mundo a objetos da Nação Brasileira”, eles publicaram com o titulo: “A imprensa é parcial e etnocêntrica”. Nele eu comento o fato da maioria dos grandes jornais brasileiros não abordar a questão indígena com imparcialidade e muitas matérias jornalísticas resgatarem o etnocentrismo que ainda existe em muitos livros didáticos. E principalmente sobre o etnocentrismo europeu estar enraizado no ethos da sociedade brasileira, que foi sendo construída durante séculos sobre bases e correntes de pensamento européias.

Uma novela por exemplo que gerou ate bastante polêmica nesse sentido foi A Lua me Disse,com a atriz paraense, Bumba, que fez a personagem chamada “Índia”, nem um nome foi dado pelos roteiristas. Era constantemente ridicularizada, humilhada pelas patroas na novela, chamada de preguiçosa, ela corria atrás dos homens, tinha o sotaque estereotipado, gritava:“índia quer, índia gostar...”, “índia quando quer homem fica nua na taba...”. Era tudo de negativo que poderiam colocar em uma personagem indígena e que seria motivo de deboche nacionalmente e também internacionalmente já que muitas dessas novelas passam em outros países. Cartas de repúdio foram elaboradas por associações indígenas e a Globo foi aconselhada pelo Ministério Público a mudar o perfil da personagem. Muitas famílias com pouco acesso a informação, através da mídia, das novelas e filmes pensam conhecer os povos. Eu acho muito vergonhosa a forma como muitas dessas novelas retratam a mulher indígena, uma imagem deturpada ligada ao atraso, ridículo, exótico, erótico, com muitas coisas pejorativas. E mesmo assim muita gente ainda pensa que não existe preconceito contra indígenas no Brasil, são estereótipos tão presentes na sociedade que acabam sendo aceitos e vistos como algo natural para algumas pessoas. E o que dizer sobre o recente comercial de bebida alcoólica, com “mulheres indígenas”, no caso atrizes vestidas de índias, com roupas inspiradas na de indígenas americanos não brasileiros, que aparecem para apagar a “fumaça” do churrasco de não indígenas? O não respeito às culturas indígenas. O grande desafio sem dúvida é a descolonização desse “saber colonizado”.
Aracy, com crianças guarani
Quais seriam os caminhos pra uma mídia com mais respeito aos povos indígenas , em especial as mulheres indígenas?
Aracy Tupinambá:
 Acredito na conscientização como agente fundamental de transformação. É importante que os profissionais da mídia não fiquem presos a visões ultrapassadas.

Qual seu conselho para as mulheres indígenas? 
Aracy Tupinambá: A vida das mulheres indígenas tem mudado muito, a maioria das culturas são patriarcais. Até pouco tempo era forte o preconceito de que mulher indígena só deve cuidar dos filhos, da roça, artesanato, comida. Muita coisa era apenas direcionada aos homens, principalmente as oportunidades em realizar coisas novas. Mas cada dia que passa esse preconceito vai ficando mais fraco e mulheres vão conquistando voz que antes não tinham em algumas comunidades. Conheço muitas que cursaram ou estão cursando o ensino superior, buscando outras funções que antes apenas era comum aos homens. Existe aquelas que ainda se escondem por medo, dizem apenas que são netas ou filhas de indígenas. A grande maioria quando saem da aldeia para estudar ou trabalhar passa por dificuldades, são discriminadas nas cidades, até são vitimas de violência sexual ou de outros abusos.

Eu venho de uma família de mulheres pajés e guerreiras. Mulheres que sofreram abusos, mulheres que morreram defendendo nosso povo. A avó da minha avó morreu com uma bala no peito defendendo nosso povo. Eu me orgulho das mulheres da minha família, mulheres que não fraquejaram nas dificuldades, nem mesmo sofrendo tortura, mas acreditaram na força de sua cultura e principalmente mulheres de muita fé. Eu diria para minhas parentas de todas as etnias, para não esquecerem quem elas são e não desistirem dos seus sonhos, mesmo que os rios, mares e lagoas fiquem salgados com nossas lagrimas. Não deixem ninguém as desrespeitar ou dizer o que podem fazer. Como mulheres somos o ventre da terra, somos mães da nossa cultura e o equilíbrio, de pés descalços na terra dançando e cantando sempre. Somos a força de um povo, todo seu coração e identidade.
Aracy, com 5 anos de idade

Como começou a sua historia com o audiovisual ?
Aracy Tupinambá: Sempre gostei de historias, cresci com minha avó Tupinambá me contando historias sobre sua mãe, sua avó, o sofrimento dos nossos parentes e outras historias. Sempre pensei em como registrar a memória e compartilhar sentimentos, como guardar não apenas comigo, mas principalmente compartilhar com outros. Sempre me senti atraída pela imagem, escrita, fotografias e filmes. Tenho uma verdadeira paixão pela escrita e pela imagem.
Em 2000 fiz parte de uma oficina de um grupo chamado Moleque de Idéias, uma oficina de Criação Digital: Criação de Roteiros, Modelagem em massa, Produção de Cenários, Animação Digital, Sonorização e Dublagem. Fizemos um curta metragem sobre os 500 anos do Brasil. Foi a primeira vez que eu havia tido contato com o audiovisual.
Em 2008 comecei a fazer parte como voluntária na área de etnojornalismo no Projeto Índios Online, um portal de diálogo intercultural que promove a comunicação entre várias comunidades indígenas e que realizava oficinas de várias temáticas em aldeias que faziam parte do projeto. Em 2010 fiz parte de um processo seletivo no Instituto Brasileiro do Audiovisual Escola de Cinema Darcy Ribeiro, do qual passei e comecei a estudar Roteiro Cinematográfico com o objetivo de na conclusão do curso passar os conhecimentos adquiridos para as comunidades. Aprendi muitas coisas, tive a oportunidade de ser aluna do Ruy Guerra, Walter Lima Junior, Flávio Tambellini e outros. Conheci coletivos de cinema, como o Coletivo Anti cinema realizado por jovens da Baixada Fluminense.
Comecei a perceber como o etnocinema é importante enquanto ferramenta que revela mundos até então desconhecidos para outras culturas, transformando-se em um instrumento de resistência para os povos indígenas, que fortalece suas culturas, identidades e comunidades. Retrata formas de um povo ver e sentir o mundo, desmistificando a visão do outro sobre uma cultura diferenciada. Eu sempre costumo dizer para as pessoas que me perguntam sobre como é o cinema indígena, eu digo que a força do maracá das imagens é invocada através do espírito em que a câmera se torna nas mãos de um etnocineasta.
Aracy, dançando Toré
Aracy, com o grupo Índio Educa na Escola Tupinamba de Olivença
Contatos: Aracy Tupinambá http://fragmentosdoinfinito.blogspot.com/ Em breve vou disponibilizar alguns roteiros, vídeos e etc. Acessem meu blog: http://fragmentosdoinfinito.blogspot.com/
tupinamba.rj@gmail.com


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